domingo, 23 de agosto de 2015

A “COISA MALIGNA”

O filme: “Os deuses devem estar loucos” , escrito e dirigido por Jamie Uys, nos princípios dos anos oitenta, é uma analogia. Provocou grandes debates na época sobre a discriminação branca. Nos convida - para os que nunca tiveram a sorte de o ver – a uma reflexão sobre os estragos que a corrupção é capaz de provocar numa comunidade política.

A história começa assim: “Num certo dia, de um avião de passagem, o piloto atira uma garrafa de vidro de coca-cola e o artefacto estranho cai no meio dos bosqímanos no deserto de Kalahari, na África Austral.  

Os deuses punham tantas coisas úteis na terra à disposição dos povos bosqímanos, que viviam em pequenos grupos de famílias. Deve ser o povo mais feliz do mundo. Eles não tinham leis, nem juízes, nem violência, nem chefes, nem polícias. Uma família de bosquímanos ficava muito tempo sem se encontrar uma com a outra. Estavam isolados sem saber de outros povos do mundo. Nunca viram homem ocidental, dito “civilizado”. O que os diferencia dos outros povos era o egoísmo e a ideia de posse.

 O artefacto era encontrado no bosque por um nativo de nome Xi. O bosquímano nunca tinha visto nada igual antes. Parecia água, mas era muito mais dura que qualquer oura coisa. Perguntou Xi: “porque os deuses teriam mandado essa coisa para a terra?”. Mostrou-a na sua comunidade. Era a coisa mais bonita que tinham visto e queriam saber por que os deuses a mandaram. Xabo - um irmão do Xi (?) - ficou com o dedo preso nela que as crianças acharam muita graça. Primeiro, Xi utilizou-a para trabalhar o couro. Tinha o tamanho certo e o peso exacto. Era também liza para trabalhar pele de cobra. Xabo descobriu que servia para fazer música. E cada dia eles descobriam um novo uso para ela.

Mas os deuses revelaram-se algo burlesco. Só tinham mandado um objecto. Pela primeira vez em suas vidas algo não podia ser partilhado. Pois, só havia um. De repente todos precisavam dele o tempo todo. Emoções e nada comum começaram a surgir no seio da comunidade. Um sentimento egoísta de não querer partilhar. E outras coisas surgiram: ciúmes, ódio e violência. A desavença aumentava a cada dia que passava. Xi estava zangado com a situação. Agarrou no objecto e gritou:

- Levo isto de volta! Veja os problemas que causou.

Mas os deuses não o levaram de volta. De tanta tentativa de lançar o objecto para o céu, ele caiu encima de um dos seus filhos. Xi decidiu levar o objecto para longe e o enterrou. Naquela noite, não houve risos nem conversas à volta da fogueira. Um estranho sentimento de culpa reinava na família. E eles estavam calados. Xi falou:  

- Enterrei a coisa, nunca mais nos deixará tristes.

Naquela noite, uma hiena apareceu e desenterrou o objecto. Mas um javali expulsou a hiena do seu território e este abandonou o objecto. No dia seguinte, Xani, seu filho, o encontrou. Seu irmão Xomá viu-o brincando e disse que também queria. Brigaram e Xani bateu Xomá com o objecto na cabeça. Naquela noite, a família voltou a estar muito angustiada. Sentados à volta da fogueira, começaram a falar da tal coisa. Não tinham nome para ela e a chamaram de “coisa maligna”. Xabo disse:

 - Foi um lapso os deuses nos mandarem essa coisa maligna. Sempre nos mandaram coisas boas como a chuva, as árvores, raízes e frutos, porque somos os seus filhos e eles nos amam, mas agora nos mandaram essa coisa maligna.

 Xi retorquiu:

 – Essa coisa não pertence a terra. Amanhã a levarei ao fim da terra e a deitarei fora.

Xabo disse:

- Acho que o fim da terra é muito longe. Terás que andar vinte ou quarenta dias.

Xi disse:

- Vou começar amanhã.

No dia seguinte e de manhã cedo, juntou a família e despediu-se dela. Partiu com a garrafa de coca-cola na mão, rumo ao fim da terra. O fim da terra seria o território da dita “civilização” ocidental. Xi foi até lá, tendo passado por muitas peripécias na sua vida durante o percurso”.     

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