sexta-feira, 5 de setembro de 2014


“O PORTO DE ÁGUAS PROFUNDAS”…

Bem podia o Ministro dos Recursos Naturais, Daniel Gomes, poupar-nos com a sua verborreia sobre os “desejos de Cabral”, ao referir-se no dia 3 de Setembro, a importância do Porto de Buba para a sub-região, para a nossa economia e para a exploração de jazigos de bauxite de Boé. Pois, é desejo de todos nós guineenses! Em vez de o senhor Ministro, que até reconhecemos o patriotismo, mencionar  Cabral que há mais de 40 anos o PAIGC deitou no capim, o Ministro devia citar, isso sim, a nossa constituição e a lei sobre investimentos privados e estrangeiros no nosso país, a bem da transparência e da legalidade.

Nesta discussão, não queremos misturar o desejo do povo pela construção de um porto de águas profundas em Buba e exploração dos nossos jazigos minerais com a questão da legalidade ou não, dos “acordos”, dos “projetos” de exploração e de construção de jazigos, de portos e de caminho-de-ferro.

Ora, os “projetos” que foram abandonados devido ao golpe de Estado de 12 de Abril de 2012, tiveram uma história, que vamos tentar abordar aqui de forma mais breve possível. Dizem que em Março de 2007, o ex-Chefe de Estado guineense, Nino Vieira, no lançamento da primeira pedra para a construção de uma ponte sobre rio Cacheu, em S. Vicente, terá manifestado o desejo de outros projetos que ficaram parados, nomeadamente a construção do porto de Buba e da estrada Quebo-Boké, devido à instabilidade política, pudessem ser materializados em tempo útil. Segundo a imprensa estrangeira, na ocasião, Nino Vieira terá destacado a particularidade do financiamento ter vindo de urna iniciativa de “solidariedade” por parte de Angola, em que até dizia “país irmão de história e de sangue”, com a participação de empresa brasileira e guineense, numa clara alusão a necessidade de valorização da cooperação Sul-Sul. Consta, portanto, que terá sido, a partir desse momento (Setembro de 2007) que a empresa angolana “Bauxite Angola” - pioneira em Angola na prospeção e extração de bauxite, constituída por uma parceria de capitais públicos e privados angolanos e estrangeiros – encontrou os fundamentos que explicam o fato de ter sido concedida os direitos de prospeção, exploração e de processamento do minério em questão antes da sua exportação, num prazo de 25 anos renováveis, sob a supervisão do Ministério dos Recursos Naturais e Ambiente da Guiné-Bissau. Explicam ainda que a coordenação para a execução das obras  era, inclusivamente, repartida em subsectores: o portuário a cargo da Aprebras (empresa brasileira); estrada de escoamento de produto desde Munhime a Buba seria executada pela empresa Arezici (empresa libanesa).

 Se assim fosse, vamos depois ver que em Maio de 2009 a Guiné-Bissau e Angola assinam um “acordo de exploração” conjunta do bauxite na região do de Boé. O acordo foi rubricado pelos senhores, Soares Sambú (Guiné-Bissau) e Higino Carneiro (Angola), respetivamente, Ministro dos Recursos Naturais e das Obras Públicas. O referido “acordo de exploração” também se chamava “projeto”. Talvez, por isso, o Ministro Sambú anunciou na altura que se iria criada uma “sociedade anónima” de capital comum. Como se pode ver, até aqui não existia empresa nenhuma com outorgada a explorar o bauxite. O Ministro Sambú informara também a imprensa que a “Bauxite Angola” concedeu ao governo guineense 13 milhões de dólares  (9,4 milhões de euros). Para quê? A anunciada “sociedade” seria, então, na visão do Ministro guineense, constituída por três acionistas, nomeadamente uma empresa pública guineense, com 10 por cento das ações, uma outra angolana, com 20 por cento, e a “Bauxite Angola”, com os restantes 70 por cento. Estimava-se que as reservas de jazidas de bauxite na região de Boé atingissem as 110 milhões de toneladas. As jazidas confirmadas tinham já sido classificadas em  “C1C2″, numa margem de sondagem de 100 metros por 100 e de 200 metros por 200

Em Outubro de 2010, o ex-Primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, na abertura da Semana de Negócios da CPLP, fez anúncio de que o país possuía “importantes reservas” do bauxite, fosfatos e petróleo e que contava com o sector privado local e dos países lusófonos para promover a economia. É preciso referir que o negócio, na perspetiva do ex-Primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, era reservado apenas aos empresários dos países da língua portuguesa. Aqui, a economia deixou de ser aberta ao mundo. A CEDEAO e a sub-região iria ser vista apenas como vantagem de mercado com cerca de 300 milhões de potenciais consumidores.

É escusado referir-se que, na Guiné-Bissau, são reconhecidas todas as formas de propriedade. O Estado, no seu Artigo 13.° da Constituição, pode dar por concessão às cooperativas e outras pessoas jurídicas, singulares ou coletivas, a exploração da propriedade estatal, desde que sirva o interesse geral e aumente as riquezas sociais. Na nossa terra, os recursos geológicos onde entrariam figuradas as riquezas minerais, não fazem parte do significado “Terra” que engloba solo e subsolo, propriedades do Estado. Resta, portanto, saber se esse “acordo de exploração” ou “projetos” já se transformaram em “Sociedade” como havia sido prometido? E se essa “Sociedade” foi a concurso público como manda a lei? Que entidades outorgaram, em nome do Estado, nos contratos administrativos de concessão mineira? José Mário Vaz, no seu discurso de tomada de posse como Presidente da República não disse “(…) iria estar atento e vigilante no que se refere ao flagelo do fenómeno da corrupção e sobretudo que chamaria ao meu gabinete todos os dossiers relacionados com o abate das árvores e exploração ilegal dos nossos recursos naturais a bem da nossa querida Guiné e das gerações vindouras.”?

O princípio da legalidade não começa e termina no “Retorno à Ordem Constitucional”, como nos querem inculcar. Em democracia, o princípio de legalidade, como alguma vez disse alguém, tem em vista “(…) alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.”


Por Nababu Nadjinal

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