sexta-feira, 24 de janeiro de 2014


O consumidor é um doente ou um delinquente? É prioritário tratar ou reprimir? Esta é uma questão de saúde ou de justiça? A 1.ª Conferência Internacional sobre Políticas de Droga nos PALOP procurou reforçar a cooperação entre governos, a sociedade civil e organismos internacionais.
Tira Chapéu cresceu sem licença. Tijolos de cimento, acumulados como peças de Lego descoloridas e empoeiradas, construíram um bairro. As crianças correm pelas ruas, os cães insistem em chamar a atenção, os cadáveres dos automóveis denunciam uma oficina e a parede vermelha da Ferro Bedjo destoa nas noites de koladeraNa Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, o Tira Chapéu não é o único bairro a que chamam “problemático”. O sol brilha e aquece da mesma forma bairros como o do Brasil, Eugénio Lemos, Chechénia ou Achadinha. O que é que todos eles têm em comum?
Nas “bocas de fumo”, como lhes chamam, compra-se cannabis – duas pequenas “almôndegas” de papel grosso e castanho com erva lá dentro – por cem escudos locais. Mas o problema não é apadjinha – palhinha em crioulo. Pelo mesmo preço, cerca de um euro e dez cêntimos, também se compra uma dose de crack. Ou, a partir de 500 escudos, uma grama de cocaína. E em quase todos eles existem tags, a versão cabo-verdiana dos gangs, uma invenção de repatriados dos EUA, que aqui reproduzem estilos de vida e de delinquência que são um cliché em tantos países. As novas rotas internacionais do tráfico de droga aproveitaram o remanso cabo-verdiano como ponto de paragem no seu trajecto para a Europa e deixaram as suas consequências e algo mais. O problema é comum a toda a África Ocidental, refere Ulrika Richardson Golinski, coordenadora residente do sistema das Nações Unidas em Cabo Verde: “Não é só uma rota de tráfico; é também um destino final.”
Cabo Verde confronta-se com a sua impotência para vencer o crime organizado, de proporções desconhecidas, mas seguramente de dimensão global, e a sua incapacidade para patrulhar eficazmente as suas 200 milhas de zona económica exclusiva. Carlos Reis, director da Polícia Judiciária (PJ), observa que o tráfico de droga procurou e medrou no país devido ao crescimento económico dos últimos anos e à consequente melhoria das infra-estruturas. Cabo Verde terá passado, suspeita o magistrado, de uma zona de passagem a armazém. O ex-Presidente Pedro Pires, afirmou mesmo, no último mês, que existe “droga armazenada” no país e que ninguém sabe onde a mesma é guardada. Nesta luta contra as drogas – uma guerra infinita e sempre falhada –, o director da PJ prefere atingir o “elefante”, em vez da “formiga”, o que não quer dizer que a formiga seja deixada em paz.
A guerra contra o narcotráfico não é de agora e alguns dos “elefantes” de que fala o director da PJ foram julgados e presos. Zany Filomeno, mais conhecida como “baronesa”, foi condenada a oito anos de prisão por tráfico de droga, mas foi recentemente libertada, em troca da sua colaboração na identificação e condenação de outros traficantes. Zany cumpriu metade da pena e, “cansada de esperar, resolveu meter a boca no trombone e exercer pressão sobre a justiça”, como explica o Expresso das Ilhas, um semanário cabo-verdiano. A sua libertação foi inesperada. Um outro semanário, A Nação, deu conta das queixas-crime que o procurador-geral da República apresentara contra a “baronesa” por difamação e injúria, uma vez que esta alegava ter sido usada para deter suspeitos do processo Voo da Águia e de ter sido abandonada posteriormente. Mas ninguém sabe para onde foi Zany Filomeno. O “trombone” pode ser estridente. Um outro processo tem dominado as atenções em Cabo Verde. A Lancha Voadora implicou muitos nomes, a condenação de traficantes a penas de 22 anos, no caso do seu principal cabecilha, e o confisco de bens – um edifício na capital foi transformado no quartel-general do Estado-Maior do Exército. Este caso, a maior apreensão de sempre em Cabo Verde, foi objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cuja decisão será conhecida este ano.
Um primeiro estudo sobre consumo de droga no arquipélago, elaborado pela Comissão de Coordenação de Combate à Droga, com a colaboração de especialistas das Nações Unidas na Praia, confirma o sucesso da padjinha (a planta da cannabis), a substância de maior consumo no arquipélago. Seguem-se a cocaína, o haxixe (a resina da cannabis), e a heroína, cujo consumo é francamente residual. Um segundo e último estudo sobre a prevalência do consumo demonstra que os homens começam a consumir cannabis mais cedo do que as mulheres” e que a idade média do primeiro consumo ocorre aos 18 anos. Mas nada é dito sobre o consumo de anfetaminas, que também é já produzido no país e sobre o qual existe pouca informação disponível. Curiosamente, quando os inquiridos foram convidados a pronunciar-se sobre as suas próprias representações acerca dos consumidores de drogas, mais de 58% representaram o utilizador de drogas enquanto doente.
As autoridades locais garantem que ninguém está preso no país por consumir droga; que a lei da droga de 1993 pune os consumidores com uma pena de prisão até aos três anos e com multa até aos 30 dias, mas que o Código Penal de 2004 impede penas de prisão inferiores a três anos… Na prática, orgulha-se o director da PJ, não é preciso descriminalizar o consumo, porque ninguém é preso. Fernanda Marques, secretária executiva da Comissão de Coordenação de Combate à Droga, chama a atenção para as idiossincrasias de Cabo Verde em matéria de droga. De acordo com a mesma, não faz sentido falar em programas de substituição, com recurso a substâncias como a metadona, à semelhança do que acontece em Portugal, porque o número de utilizadores de opiáceos não o justifica.

De resto, o tratamento do consumo de drogas em Cabo Verde passa por experiências com a do projecto El Shady (Deus Todo-Poderoso, em hebraico), que há 17 anos aplica um método de trabalho “espiritual”, como explica o seu mentor, Honório Fragata. El Shady tem o apoio do Ministério da Saúde e apoia-se no método Minnesota, semelhante ao seguido pelas comunidades de alcoólicos anónimos. Fragata resume o essencial em três passos: “Esperança, Luz e Reinserção.” O método Minnesota, conhecido com o programa dos 12 passos, foi criado para o tratamento do alcoolismo, mas foi depois alargado a todos os tipos de dependência. É o mesmo processo que é aplicado na Comunidade Terapêutica Granja S. Filipe, a única do arquipélago, apoiada pelo Estado e pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e do Vale do Tejo, na qual, segundo José Moreira, o seu director, também se aposta na formação profissional como forma de reinserção socialLeia o artigo completo: publico.pt

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