terça-feira, 11 de junho de 2013

OS DUELOS POLÍTICOS EM AFRICA

Acredito que nenhum líder africano que se preze – por mais autocrático que seja - admite o epíteto de antidemocrático. E os regimes políticos africanos nos países como os nossos parecem ter encontrado condescendência da parte da dita comunidade internacional. Recordo que nos anos da “Guerra Fria”, estava em voga o princípio de “não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados”. Hoje em dia, criam-se organizações internacionais que muitas vezes servem de pretextos, para desafogar as angústias de alguns, para atacar outros Estados também soberanos de forma mais escandalosa possível. O exemplo dessa nova forma de agressão internacional, tem sido o espetáculo disparatado fornecido pela CPLP face à situação política na Guiné-Bissau, após o contragolpe de 12 de Abril do ano passado. 


 Ora, se a democracia em África é encarada como uma etapa no processo da emancipação política dos povos, ou seja, como um estágio de desenvolvimento das sociedades, etc., então, isso pressupõe que os Estados em África ou os africanos em geral se encontrarão, portanto, numa fase de organização social anterior a democrática. E, se assim é, os discursos dos líderes africanos, e não só, estarão a contradizer-se com a premissa que acabamos de referir. E o fato levar-nos-ia, todavia, a encarar a realidade política africana sem artificialidades. Os fantasmas de balcanização do continente e do tribalismo, serviram de bandeira para justificar a perenidade de regimes autocráticos nos nossos países. Pois, haverá muita especulação filosófica em torno desse tema, mas na realidade, nada disso invalida o fato de os seres humanos que habitam essas terras aspirem pela liberdade e continuem a lutar pelos seus direitos políticos. 

Logo após às independências, constatamos que não se fez o devido transbordo da democracia e da liberdade! Com as investidas liberais da época, as classes políticas dirigentes em África - como no caso da nossa Guiné - conjeturaram um futuro tenebroso que lhes poderia destronar. Não havia alternativa que não fosse aderir ao projeto de abertura política. A estratégia africana consistia, então, em assentir à mudança, adaptando-a sua lógica do poder. Acabaram-se por adulterar o sentido e a prática dos conceitos da democracia e da economia do mercado. Duvidamos que a “comunidade internacional” não se tenha apercebido da subtileza desta falsa viragem político-económica dos novos Estados. 

Por isso dissemos que em Africa, chegou a sobra da democracia e da liberdade e faltou plantar a árvore propriamente dita da liberdade. A democracia liberal - como temos vindo a referir - virou democracia darwinista, dos vencedores e derrotados! Os duelos eleitorais meramente ideológicos assumiriam, nas nossas terras, proporções radicais. Angola e Moçambique serviram de palco de confrontação bélica de duas visões do mundo naquela época. Podemos dizer que a queda do “Murro de Berlim” não arrefeceu os ânimos. Os opositores políticos africanos são por vezes tidos como “persona non grata”, etiquetados como antipatrióticos. Nunca ganham duelos eleitorais. E como se não bastasse, os seus militantes são vedados o ingresso nos lugares públicos. As manifestações de rua são acolhidas com balas de borracha e jatos de água, mas tudo a matar. 

A mesma desvirtuação propositada dos conceitos acontece com a noção da economia do mercado. Aqui, em vez da ideia de livre iniciativa, trabalho, emprego, etc., nasceu a promiscuidade político-económica: mistura entre cargos públicos com negócios particulares e empresariais. Entrevistado no dia 6 de Junho, pelo jornalista da televisão portuguesa SIC, Henrique Cymerman, o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, hesitou na resposta sobre qual a ideologia política do seu Governo, para depois responder qualquer coisa como: centro esquerda! A resposta, só por sí,  é demonstrativo de que em Africa, a dicotomia esquerda versus direita, é irrelevante! Claro que o Presidente angolano é livre de se posicionar ideologicamente. Aliás, já tem mesmo motivos para o fazer. A realidade é que os independentistas em Africa eram por inerência de esquerda porque eram apoiados - no período da “Guerra Fria” – pelos países do Bloco de Leste que se definiam como comunistas. Isso para dizer que nos nossos países, o agrupamento dos partidos por ideologias políticas é uma novidade. Haverá questões que ultrapassassem meras diferenças ideológicas? A verdade é que a nossa guerra não era ideológica. O objetivo era a independência, mas fomos atrelados pelas lutas ideológicas acesas entre blocos do Leste e do Ocidente da Europa. Não se deu importância às historicidades internas que se haviam convergido na luta pela libertação do domínio colonial.  




A distinção esquerda e direita nos nossos países não é decisiva como na Europa e na América do Norte. Sentimos o seu despoletar ainda ténue! O que é mais relevante nos duelos políticos africanos é a luta pela conservação do poder político. Para isso, vale tudo, nem que seja necessário deturpar os conceitos adquiridos. Não é por acaso que a noção da economia do mercado, ganhou a interpretação mais aberta possível em Africa, tendo permitido os próprios responsáveis políticos a exercer ao mesmo tempo atividades económicas empresariais ou através da sua influência. Tornou-se legal que os árbitros se assumissem, ao mesmo tempo, o papel de jogador dentro do campo. A corrupção e crimes de peculato tornaram-se proveitosos e acarinhados. 

Constata-se, por isso, que – nos países africanos da língua oficial portuguesa – o poder político não é alternável entre os partidos políticos concorrentes e a “burguesia” se vão formando não pelo trabalho, mas sim pela corrupção e crime de peculato. O parlamentarismo é mera figuração. As reivindicações dos deputados não são mais que letra-morta. Os partidos políticos e os seus militantes, surgidos com abertura ao multipartidarismo, são conotados com o antipatriotismo. Esta nossa visão da realidade política africana é contrariada pela posição de José Eduardo dos Santos a SIC: "Somos uma democracia, um regime baseado no pluralismo partidário. O programa do partido que apoia o Governo, o MPLA, tem uma estratégia de desenvolvimento a longo prazo que projeta uma sociedade que é uma democracia de caráter social. Queremos uma sociedade que garanta a igualdade e promova a distribuição equilibrada da riqueza", que depois respondeu ao mesmo jornalista que queria ser recordado um dia como um verdadeiro patriota. Conclusão: o duelo político é baseado não na democracia ou na liberdade dos cidadãos, mas sim na luta entre “patriotas e antipatriotas”. 

Nababu Nadjenal

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